quarta-feira, 10 de junho de 2009

Oplologia e colecionismo.


Vista parcial de uma das vitrines do maravilhoso Museu de Armas de La Nación em Buenos Aires, exemplo soberbo de conservação do patrimônio e cultura de um povo.


Numa roda de amigos num quente final de tarde, no chamado “happy hour” regado a cerveja, é mais do que comum as conversas girarem sobre as atividades do dia, o trabalho, o jogo de futebol, a política, as notícias sobre a situação do país e do mundo. E no meio a tudo isso, sempre se encontra um tempo para as paixões em comum, a maioria das pessoas encontra no esporte a sua válvula de escape das tensões diárias, mas um pequeno grupo tem lá as suas paixões mais específicas. O homem tem certamente um “instinto acumulador”, as pessoas guardam de tudo, de tesouros a velharias e inutilidades, e em certos casos patológicos até... Lixo. Nesta mesma roda de amigos, poderemos encontrar talvez um colecionador de carros, um filatelista (colecionador de selos) um numismático (colecionador de moedas) e quem sabe até um oplólogo... Oplólogo? Que raios vem a ser isso?
Oplologia é um neologismo de origem inglesa e italiana, foi cunhado na Inglaterra no século XIX por Sir Richard Burton e deriva dos vocábulos gregos Hoplon - οπλον, e λογοσ – o logos, como conhecimento, ciência. “Hoplon” era o grande escudo levado pelos Hoplitas (ὁπλίτης), o soldado grego de infantaria pesadamente armado, servindo a mesma raiz para designar o conjunto completo das armas dos gregos (além da armadura, grevas, escudo e elmo, usavam a espada de fio duplo, e lança pesada). Ainda relacionado há o termo grego Hoplos, que designa um ser mítico que era couraçado.
A Oplologia no início foi relacionada com a arte e técnica marcial, ao uso das armas, e depois de 1960 com Donald Frederick Draeger, passa a ser a relacionada como campo acadêmico de maior abrangência social, podendo se definir como a ciência que estuda a arte do combate e da guerra, da Filosofia e do logos do guerreiro, da história e estratégia militar, incluindo-se aí certamente o estudo da artilharia, das armas de fogo, das armas brancas, da munição, das fortificações, e também servindo de auxílio para outras ciências sociais. Na Itália, a palavra oplologia foi usada também a partir do século XX para descrever o estudo das armas e armaduras, e não propriamente só da parte prática, a das técnicas de uso.
Oplólogo então é o pesquisador ou estudioso do tema, que deve ter o necessário rigor científico, com pesquisa e literatura, mas sem esquecer a paixão (oplofilia) que estes artefatos sempre provocaram nos seres humanos (ou ainda no outro extremo ódio e medo, tão atuais e debatidos – a oplofobia,).
O estudo, conservação e colecionismo das armas de fogo, muito nos revelam sobre a cultura e a tecnologia da época em que elas foram feitas. As análises profundas das características técnicas e sociais nos fazem vislumbrá-las além de simples instrumentos mecânicos, pois foram parte da sociedade, as mantenedoras de poder e status social de seus proprietários. Pode-se inclusive se dizer que a função social das armas era ser representante visual da opulência ou penúria de seus possuidores, assim, por exemplo, frente a uma pistola com fecho de roda ricamente decorada do séc. XVI saberemos logo que pertencia a um nobre alemão, pelo alto valor econômico e artístico ali empregado, ao passo que frente a um mosquete de mecha rústico e simples do mesmo período e região, saberemos logo que era pertencente a um lasquenete (mercenário) ou soldado regular, pela modesta e prática construção.
As armas de fogo e canhões representam mais de 700 anos da inventividade e engenhosidade humana. Em cada arma como já disse, estão inseridos dados da sua época histórica, da cultura do povo que a construiu, cinzelados e burilados em metal bruto, ouro e prata, estão entranhados a sensibilidade e a habilidade particular de cada artesão, o que em certos casos pode transformar cada peça em uma peça única e de valor inestimável. Não se podem dissociar as armas da história, dos personagens das grandes tragédias, dos dramas humanos e dos importantes fatos mundiais. As armas fizeram sua aparição na sombria idade média como criaturas mitológicas, verdadeiros dragões que vomitavam fogo e metal, surgidas nos caldeirões dos alquimistas, e paridas pela mistura malcheirosa da primeira pólvora se esgueiraram para o campo de batalha medieval, através dos primitivos canhões de mão que evoluíram acompanhando a marcha constante do progresso humano, e se infiltraram no inconsciente coletivo com a mesma força de seus projéteis, que silvando perfuravam armaduras e destronavam reis.
Assim se consolida a oplologia como ciência social para somar a outras já existentes, conjugada com a balística em suas diversas vertentes (balística interior, exterior, de efeitos e forense), que cuida do estudo dos projéteis, tendo esta nascido junto com as antigas balistas e catapultas da idade antiga, antes mesmo das armas de fogo.
O colecionismo de armas tem por objetivo a perpetuação da memória e da história do homem, vem somar possibilidades a criação de um mosaico completo das diversas facetas técnicas e sociais de um período, possibilitadas pela metalurgia, artes, ourivesaria, engenharia, marcenaria, marchetaria, arqueologia, sociologia, literatura e demais ciências e técnicas.
Colecionar armas é sinônimo de cultura, conservação do patrimônio, e responsabilidade, bem ao contrário do que hoje se prega no Brasil, que seria sinônimo de ignorância e violência. O colecionador antes de tudo é um técnico, um estudioso, um literato apaixonado pelo que faz, e não raras vezes, um lutador solitário que se impôs a responsabilidade de preservar a memória militar e social de seu país, mesmo na contramão de seu povo ou momento político, que apenas anseiam pelo esquecimento ou pela ignorância plena.

3 comentários:

  1. um oplólogo com eu lendo este texto fica a refletir quantas vezes abri mão de coisas "importantes" (para os cidadãos comuns) para ter como adquirir uma arma.....
    abrir maõ de fds com amigos para ir a clubes de tiro, etc...
    sou oplólogo convicto!

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  2. Chocante e até sob certo ponto de vista, vergonhoso para nós cidadãos brasileiros, ver anúncios, em publicações norte americanas, para venda de lotes de fuzis Mauser, 1907, lá, peças raras, valorizadas pelo anúncio por carregarem gravado o brazão do exercito brasileiro.
    Seria maravilhoso que amantes, colecionadores de armas e atiradores brasileiros tivessem tido acesso a este acervo.
    Fomos cerceados deste direito. Este acervo não pertence ao Brasil ???. Ou alguns governantes nossos é que realmente não pertençam ao Brasil ???
    Mas que podemos fazer ???

    Luiz Nelson

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  3. Lastimável que sob o pretexto de reduzir os crimes com armas de fogo, se tenha colocado o colecionador no rol dos fora da lei, caso não registrasse todas as suas armas, com altos custos de registros e de manutenções dos mesmos. Os crime continuam. Os bandidos conseguem armas que nem as nossas forças armadas ou policiais possuem. Os automóveis matam muito mais do que qualquer arma e nem por isso se proíbe o seu uso. Colecionar armas, como qualquer outro tipo de objeto é uma verdadeira arte e não crime. Jorge Roberto - Goiânia - Goiás

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