sábado, 26 de setembro de 2009

Balas “Dum Dum” “Uma delícia de estouro”



O infame trocadilho acima poderia ser até a propaganda de uma guloseima, se não fosse uma das renitentes e cretinas crendices balísticas de nosso meio, a das “balas Dum Dum” que explodem dentro do corpo, mito esse perpetuado, pasmem, até pela imprensa dita “policial” (mas bem leiga como tive oportunidade de ver essa semana na fala de um conhecido “comentarista policial”), razão pela qual resolvi escrever este artigo. 

Não me incomoda em nosso meio a persistência de alguns mitos e termos mais popularescos de uso corrente, como por exemplo incomoda a muitos instrutores de tiro e militares o uso do termo “bala” ao invés de projétil, mesmo porque as origens deste termo se perdem na idade antiga. Vem do verbo grego “ballo” (βάλλω - lançar, atirar), e daí se deriva também Balista, nome de antiga máquina de guerra. A ciência que estuda os projéteis não leva o nome de balística? E ainda hoje existem termos similares ao nosso “bala”, em língua inglesa (“bullet)”, em espanhol ("bala"), e em francês (“balle”). Então “bala“ como designativo de projétil pra mim não é problema (e mesmo porque assim vinha escrito nos manuais do Exército Brasileiro até os anos 1920, sendo nomenclatura oficial)... 
Sobre especificamente as “balas Dum Dum”, mais um dos nossos muitos mitos oplológicos que de fato tem raízes históricas verdadeiras, mas via de regra como tanto outros, foi absolutamente distorcido e acrescido de detalhes que pouco tem a ver com a real história do fato ou conceito, isto sim é problemático pois é um desserviço a nossa área técnica. Alguns chegam a dizer que o nome dum-dum na verdade é a onomatopéia de dois estampidos, um o do disparo da arma, e o outro o da explosão do projétil no alvo!!Sabe-se lá como isto se espalhou entre nós, mas o que de fato nos conta a história é que o conceito de cartucho "Manstopper" (literalmente “parador” de homem) surgiu com os ingleses em suas guerras coloniais pela necessidade de combater inimigos corpulentos e bastante excitados, "selvagens” (na visão dos educados ingleses) que teimavam em não cair mesmo quando atingidos por vários disparos de arma curta (e até por armas longas como depois a experiência mostraria, deste mesmo mal os americanos sofreriam nas Filipinas dezenas de anos depois). Assim surgiram armas e calibres específicos para os teatros de guerra britânicos, exóticos e hostis na África e Ásia como Índia, Paquistão, Afeganistão, Egito, Sudão, Quênia, Rodésia, Transvaal, exemplo disto são os revólveres Webley Nº 1 "Boxer" de 1866 e o revólver Bland-Pryse que disparavam seis tiros do mastodônico calibre .577 Boxer de fogo central (o calibre 14,6 mm x 25,5 R, código DWM 274, tinha o mesmo calibre do rifle regulamentar) que obviamente tinha sido projetado para ter condições de deter o mais forte dos adversários. 
Os famosos e infames (na imaginação popular) projéteis “Dum Dum”, foram criados no final dos anos 1890 no arsenal da British Royal Artillery, situado na cidade do mesmo nome no Nordeste da Índia próximo a Calcutá, no estado de West Bengal. O arsenal de Dum Dum era administrado pelo Capitão Neville Sneyd Bertie-Clay (que terminou a carreira como Tenente Coronel e faleceu em 17/10/1938). 
Segundo consta ele desenvolveu os projéteis em questão durante as lutas de um golpe de estado no Paquistão em 1895. Para restabelecer o domínio britânico na região, foram enviadas tropas inglesas armadas com fuzis Lee-Metford Mark I em calibre 7.7 mm (o famoso calibre .303 ainda usando pólvora negra, os Lee foram adotados em 1888 substituindo o fuzil de serviço monotiro cal. 450 Martini-Henry). 
Estas tropas relataram na sua volta a Índia que estas novas armas se mostraram eventualmente ter insuficiente “Stopping power” para deter os inimigos das tribos Chitrali. Os estudos no arsenal, ao contrário do que se pensa, se restringiram apenas a um modelo de projétil do fuzil .303 com a jaqueta de níquel removida (cortada aproximadamente a 6 mm da ponta para revelar o núcleo de chumbo macio), podendo ser assim considerada a precursora das modernas munições tipo jaquetada de ponta mole - JSP (jacketed soft-point). Comumente se diz que lá se desenvolveram projéteis de ponta cortada em cruz, com jaquetas debilitadas, vazadas etc. Na verdade alguns destes tipos de projéteis já existiam nos fuzis esportivos Express, sendo na maioria das vezes experimentações para se reduzir o peso das pontas e aumentar a velocidade final, e que como efeito colateral se revelaram eficazes em se expandir bem em caça leve, mas mal em caça pesada. 
Apesar de ter tido apenas uso local e não oficial, o conceito de munição expansiva criado em Dum Dum perdurou nas oficiais .303 do padrão MK III (adotadas em 1897 tinham a camisa cortada expondo o núcleo de chumbo na ponta do projétil) e nas Mark IV e V, estas legítimas ponta-oca desenvolvidas na Inglaterra de forma independente no Arsenal de Woolwich, e tornadas padrão em 1899. O tipo Mark IV foi usado em Omdurman em 1898 com resultados satisfatórios, chegando segundo consta na emergência os soldados britânicos a remover o topo das jaquetas da munição padrão Mark II convertendo-as assim em improvisados tipos dum dum.
Embora os ferimentos causados pelas novas munições expansivas incrivelmente fossem menos severos que os provocados pelos antigos e brutais projéteis de chumbo sólido calibre .450 Martini-Henry, a Convenção de Haia de 1899 os proibiu a pedido da delegação alemã, que alegou motivos humanitários (durante a Primeira Guerra Mundial os alemães acusaram os Belgas de ainda usar munição expansiva em combate) encerrando-se definitivamente assim o capítulo de munições expansivas para uso militar.

No campo das armas curtas a experiência inglesa nas colônias criou em 1898 o .455 Webley Mark III, um cartucho dito "Manstopper" que possuía discreta ponta oca de chumbo que se deformava no momento do impacto, e a sua base oca (hollow base) ajudava-o a se ajustar melhor ao raiamento do cano. Esta carga foi removida de serviço em 1900, substituída pela anterior MK II pontuda, e logo após (1912) entraria em uso a .455 Mark IV na prática um projétil "wadcutter", saindo de serviço antes da Primeira Guerra Mundial, também por causa da Convenção de Haia.


“Dum Dum” à Brasileira
 
Cartuchos 38 SPL e 32 SW carregados com pontas tipo canto-vivo, erroneamente e indevidamente conhecidas no Brasil como “Dum-Dum”


O uso do termo "Dum-Dum" ficou inegavelmente associado a projéteis expansivos já entre os soldados ingleses da época e continuou sendo usado para designar qualquer tipo de projétil EXPANSIVO (e não EXPLOSIVO como se apregoa por aí). Tantas vezes ouvi este comentário, principalmente de pessoas mais idosas mostrando orgulhosas seus exemplares de antiga e modesta munição canto vivo CBC (wadcutter)... 

O projétil canto-vivo durante muitos anos foi no Brasil a única opção ao tipo ogival (só existiam estas duas pontas), surgindo daí diversas lendas locais. Mas quem teria sido o desconhecido “gênio“ que associou a este tipo de cartucho, bom para tiro ao alvo (mas se tivesse uma carga de projeção maior certamente seria um bom "Manstopper" pela área frontal plana) as improváveis qualidades balísticas de EXPLODIR quando atingisse o alvo? Fato incompreensível, mesmo porque as munições de uso civil no mercado mundial excetuando-se a Exploder americana não portam substâncias explosivas em seu interior. Será que o charmoso estojo niquelado com a ponta totalmente inserida em seu interior provocava esta mística? Fetiche oplológico? Vai saber. 
A nossa inventividade e o “jeitinho brasileiro” (para o mal inclusive) produziu uma versão modificada do canto-vivo tradicional, pois dizem que alguns desmontaram a munição original e remontaram-na com a base oca para frente criando assim a variação deste cartucho conhecida curiosamente como “Diabo Paraibano”, com efeitos úteis de penetração e expansão obviamente desconhecidos e incertos, pois a espessura do projétil na base oca era bem menor. Um remendo evidente na tentativa de se melhorar a performance da munição de defesa antes das pontas JHP e JSP chegarem ao nosso mercado, e mesmo estes tipos hoje depois de passados 110 anos e com toda a informação disponível, ainda são confundidos com as místicas ogivas indianas Dum Dum, no nosso caso poderia dizer jocosamente confundidas com “uma delícia de estouro no alvo”. 
Esperamos ter contribuído para ajudar a diminuir esta resistente lenda oplológica nacional passada de geração a geração por via oral como toda boa lorota que se preza, já tendo entrado há um bom tempo para o nosso “folclore ” armamentista.

domingo, 13 de setembro de 2009

Fábricas antigas do Brasil : Castelo

Prezados leitores, estou transformando o blog em livro, necessito de fotos de revólveres da Castelo para estudo de modelos. Agradeço a colaboração e atenção de todos...


A Indústria de Armas Castelo A.S. é uma das ma
is antigas fábricas de armas do Brasil, fundada em 1929 em São Paulo, no bairro do Belém, funcionou ainda em Ferraz de Vasconcelos, e depois na Mooca na Rua Tobias Barreto. Fabricou também material hidráulico.

A razão social de Lizarriturri & Cia. não deixa
dúvidas: a origem dos fabricantes era o país Basco da Espanha, sendo os proprietários da firma José María Lizarriturri (eibarrês que segundo consta nos poucos registros, chegou ao Brasil em 1928,ao que parece com a intenção inicial de montar uma fábrica de serras que receberia o nome de Arrate – nome de um monte situado na cidade de Eibar), e Dora Lúcia Alberdi. Mergulhei numa busca incessante para descobrir seus nomes, pois não se tem nenhuma informação sobre sua fundação, e a literatura nacional apenas e unicamente cita, quando cita, a razão social da fábrica, (sendo muito provavelmente o "Vitrine da Armaria" o primeiro a veicular tal dado). Isso nos dá muito orgulho, pois é o resgate de uma parte de nossa história oplológica.

A Castelo tinha
como logomarca o desenho de uma torre de Castelo dentro do mapa do Brasil.
A marca do Castelo bem visível tanto na caixa de mecanismo como nas talas de empunhadura

A Castelo começou a sua fabricação de armas em
meados de 1940, com garruchas de dois canos nos calibres 22 LR, 320 e 380 de pólvora negra. Os modelos iniciais não eram muito diferentes das garruchas belgas e espanholas tão populares aqui até a década de 50, com a abertura por um botão embaixo dos canos. Mas aos poucos num segundo modelo, o design da empunhadura mudou, assumindo uma feição quadrada, esteticamente discutível, e a chave de abertura passou a ser uma alavanca na lateral.


Garrucha 320 da Castelo, 1º modelo

Garrucha 320 da Castelo, 1º modelo (sub-tipo com variação na chave de abertura)

Garrucha Castelo do 2º Modelo, cal. 22


Depois vieram os revólveres, inicialmente com um modelo do tipo de “quebrar ao meio” (“top brake”), o que causa certa estranheza, pois este design há muito já estava fora de moda, sendo bem obsoleto para a época, lembrariam vagamente na aparência alguns dos antigos (mas excelentes) modelos da Webley-Scott. O acabamento era tosco e os calibres eram o .22 LR (para 8 tiros) e .32 SW (6 tiros).

revólver Castelo tipo "Top-Break"

Um segundo modelo de revólver mais moderno apareceu na década de 1960, tinha o tambor basculando para a lateral esquerda e um desenho bem próprio, que fugia da linha geral da silhueta dos Smith & Wesson M&P adotados pela maioria dos fábricas. Os calibres deste último eram .22 LR e 32 S&W Long, com canos variando de 2 a 4 pol. Os sistemas de abertura, trancamento do tambor, e ejeção dos cartuchos vazios eram originais também. O acabamento e a qualidade deste tipo ficava provavelmente abaixo das armas da Caramuru e INA, mas mesmo assim eram armas confiáveis. Todos os revólveres Castelo eram de ação mista (dupla e simples).


Belo exemplar de revólver castelo de 2º modelo, cal. 22 LR cano de 4”

Na década de 1960 a Castelo produziu também uma pistola de pressão cal. 4,5mm.
A Castelo, como muitas outras, fechou na época dos governos militares (por volta de 1970), devido a pouca competitividade, vendas reduzidas e às muitas restrições, com o projeto de uma pistola semi-automática e de um revólver calibre 38 SPL ainda na prancheta.