No mundo das armas de fogo da mesma forma que no mundo real, os pioneiros abrem o caminho para seus congêneres a duras penas e seus nomes não raras vezes são cobertos pela poeira do esquecimento. Compartilhando do injusto limbo do ostracismo da memória oplológica com o revolucionário revólver Guerriero, uma arma que lançou o sistema de tambor basculando lateralmente (“swing out”) antes do celebrado modelo do Colt 1889 (ver artigo sobre ele neste blog), está a raríssima pistola semi-automática austríaca Schönberger.
A primazia de ser a “primeira” pistola semi-automática de sucesso comercial cabe a Alemã Borchardt, mas é fato sabido que ela não foi exatamente a “primeira” arma deste tipo. Na cronologia da evolução das armas automáticas Hiran Maxim no ano de 1883 experimentava uma carabina Winchester 1866 modificada para ser arma de funcionamento semi-automático, e logo após viria à luz em 1885 a sua eficaz metralhadora, a primeira totalmente automática. Obviamente que depois do sucesso de seus projetos e os experimentos de outros inventores, logo se pensou em usar a nova tecnologia que aproveitava o gás residual do disparo para movimentar o mecanismo, para as armas de punho, assim surgem as pistolas semi-automáticas, das quais para ser sincero nem mesmo a Schönberger teria sido a primeira, mas o “elo perdido” primitivo seria a arma criada na França pelos irmãos Clair (Jean-Baptiste, e Benoit Clair). Os Frerés Clair possuíam um ateliê de armas fundado por seu pai em 1838, a Manufacture mécanique d'armes de luxe et de guerre de Saint Etienne, na qual produziram armas brancas, armas de fogo, canos raiados para fuzis e armas de ar. Os experimentos do criativo Benoit incluíram dentre outros uma pistola e um rifle ditos “automáticos” (respectivamente patentes de 1887 e 1888). Desta pistola quase nada se sabe, exceto que provavelmente era do tipo gás-operada (por recuo Indireto de Gás), muito pesada, e usava um cartucho experimental calibre 8mm derivado diretamente do cartucho M1882 suíço de calibre 7.5mm (o 7.5 mm Swiss Army Revolver, com diâmetro de aro de 10.34 mm, certamente cartucho difícil de trabalhar numa arma de funcionamento automático, e de fato há relatos que era bem propensa a emperrar de maneira constante), tinha capacidade de cinco cartuchos carregados com a novíssima pólvora sem fumaça. De sua autoria também é um fuzil de caça de repetição que alcançou certo sucesso o “Clair-Eclair". Os dados e a aparência da pistola de Benoit Clair desapareceram na história, sendo raramente citada.
Tendo feito justiça ao citar este modelo, vamos finalmente à pistola Schönberger-Laumann, tão esquecida e misteriosa quanto a visionária arma projetada pelos irmãos Clair. A Schönberger M1892 foi patenteada no império Austro-húngaro em 17 de novembro de 1890 por Joseph Laumann, e nos EUA em 1892. Apesar da denominação do modelo levar o ano de 1892, não se sabe com certeza se entrou em produção efetiva pela Oesterreichische Waffenfabrik-Gesellschaft, Steyr, nesta data (fala-se até que o real início de fabricação teria sido em 1895, depois da patente do desenho de um segundo subtipo desta arma com um magazine melhorado). A real ‘paternidade’ do projeto gera outra série de controvérsias, tendo os direitos sobre o desenho pertencido por dois anos a Joseph Laumann, que os teria vendido aos irmãos Schönberger (de quem se diz que também teriam participado do projeto, fossem um dos diretores da Steyr, ou talvez seriam os financistas de Laumann), de qualquer forma a arma é também conhecida pelo nome de todos os envolvidos...
Sobre a descrição técnica da arma, o que podemos dizer é que inicialmente era uma arma de repetição manual que se converteu em arma de acionamento automático com ação por recuo direto simples retardado, (fecho do tipo delayed blowback). A armação era sólida com um carregador monofilar municiado por um clipe de 5 tiros situado à frente do guarda mato, herança dos fuzis militares de então, este tipo de alimentação ainda seria moda nas pistolas subsequentes como a Mauser C-96 e diversas de desenho de Bergmann. Na lateral tinha uma alavanca para armar o mecanismo de disparo (bastante delicado), que também seria utilizada depois esporadicamente em alguns modelos de pistolas.
O mecanismo era deveras sui generis dentre as pistolas, pois no momento do disparo a culatra era bloqueada firmemente por um ferrolho cilíndrico com um único fecho composto por um braço bifurcado em um excêntrico, a cabeça do ferrolho sustentava o aro inteiro do cartucho, quando a arma é disparada a espoleta colocada profundamente dentro do estojo recuava devido a pressão da explosão da pólvora, cerca de 1/18 de polegada dentro de um canal até ser parada pela face do ferrolho, mas era o suficiente para atingir o pino percussor empurrando-o para destravar o excêntrico, deixando o ferrolho livre para voltar, movimentando em seguida o braço bifurcado contra uma mola, fazendo-o fechar o ferrolho e deixando a arma em posição de novo disparo.
O Cartucho que a Schönberger usava tinha calibre nominal de 8 mm e foi projetado em 1890 e reformulado em 1892 para uma pistola desenhada supostamente por Konrad Von Kromar (da qual não se tem muitas informações), sendo intercambiável com o 8mm Steyr (8x23R Steyr). Era do tipo “garrafinha”, Rimless, como dito acima tinha a espoleta colocada bem internamente, e ficou conhecido como 8 mm Schönberger, ou ainda 8 mm Selbstlade Pistole System Kromar, 8 mm Schönberger-Kromar, 8 mm Kromar Revolver, 8 x 22,5 R Revolver, GR 350, SAA 3775 e EB 091. O projétil tinha diâmetro real de .323 milésimos de polegada, e peso de 125 grains.
A Schönberger apesar de ser uma arma portátil e até prática comparada com a subseqüente pistola Borchadt (os dados gerais da Schönberger se perderam, mas a longitude total da arma sabe-se chegava a 20 cm), não decolou, sendo fabricadas cerca de cem unidades (ou apenas algumas dezenas, não se tem um consenso sobre a quantidade total produzida). Foi substituída na linha de montagem da Steyr pela pistola Mannlicher em 1894, um projeto obviamente superior.
A pistola Schönberger-Laumann teve esta primazia, a de ser a pioneira arma de mão que usou a força dos gases dos disparos para movimentar um mecanismo de maneira semi-automática em ciclo completo, embora não tenha sido produzida em grandes quantidades, com pouco sucesso comercial, abriu caminho a suas congêneres mais efetivas, robustas, e como um velho mestre que reconhece a capacidade dos próprios discípulos, cede-lhes o espaço e lhes dá a missão de continuar o caminho, furtivamente desaparecendo da história da Oplologia entrando para as brumas da lenda.
Ostracismo! Lastimável situação também ocorrida em armas de fogo. Mas professores como você caro companheiro, não deixam esta palavra subsistir e este artigo faz justiça a história das semi-automáticas.
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